Retrospectiva Alfred Hitchcock na Cinemateca Brasileira
Foto: Janela Indiscreta / Divulgação
(Hitchcock/Truffaut – Entrevistas: Edição definitiva, 1983)
“A diferença entre suspense e surpresa é muito simples, e costumo falar muito sobre isso. Mesmo assim, é frequente que haja nos filmes uma confusão entre essas duas noções. Estamos conversando, talvez exista uma bomba debaixo desta mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso, mas, antes que tenha se surpreendido, mostram-lhe uma cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora, examinemos o suspense. A bomba está debaixo da mesa e a plateia sabe disso, provavelmente porque viu o anarquista colocá-la. A plateia sabe que a bomba explodirá à uma hora e sabe que faltam quinze para a uma – há um relógio no cenário. De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima porque o público participa da cena.”
Esse domínio sobre a narrativa é uma das muitas lições de cinema que o mestre do suspense oferece na Retrospectiva Alfred Hitchcock entre os dias 6 e 16 de março, na Cinemateca Brasileira.
A mostra apresenta a obra de Hitchcock com uma seleção de 14 longas-metragens emblemáticos do cineasta, como Janela indiscreta, Psicose, Os pássaros e Intriga internacional. A abertura é no dia 6 de março, às 20h, com uma sessão ao ar livre de Um corpo que cai. Mais cedo, a partir das 18h, haverá um brinde de abertura.
Hitchcock era um diretor meticuloso, que controlava cada detalhe de suas cenas. Seus enquadramentos não sugerem nada além do que está dentro do quadro, guiando a atenção do espectador de maneira precisa. Sua habilidade para manipular a linguagem cinematográfica fica evidente em cada um dos filmes selecionados para a mostra.

Em Interlúdio, um simples movimento de câmera – do plano geral ao plano próximo da chave na mão de Grace Kelly – eleva o suspense e estabelece a identificação da protagonista com o público ao revelar sua missão e os desafios a serem superados. Já em Ladrão de casaca, a incerteza sobre se Cary Grant está abrindo ou fechando a porta do carro reforça a dúvida de sua inocência até o último segundo. Em Os pássaros, o campo/contracampo durante o trajeto de Tippi Hedren na lancha cria um ponto de vista dos pássaros, dando a impressão de que se tornam cientes dos humanos. E em Festim diabólico, a tensão cresce com a ilusão de um plano-sequência, reforçando a imersão do espectador.
A psicanálise também teve grande influência sobre Hitchcock. Janela indiscreta explora o voyeurismo de forma única ao tornar seu protagonista um espectador e seus espectadores observadores de um espectador. Em Psicose, a casa dos Bates reflete a psique do protagonista: o térreo representa o ego (onde Norman habita), o segundo andar simboliza o superego (onde vive a mãe) e o porão, o id (onde está o cadáver da mãe). Já Um corpo que cai aprofunda a psicanálise freudiana, explorando a dinâmica entre Eros (pulsão de vida) e Thanatos (pulsão de morte). A obsessão de Scottie em transformar Judy em Madeleine ilustra a compulsão à repetição, conforme descrito por Freud: um ciclo de reviver traumas passados em busca de controle. Essa transformação forçada também reflete a idealização narcísica, em que Scottie não ama Judy, mas sua capacidade de se encaixar em sua fantasia idealizada.
O tema do “homem errado” é recorrente em Hitchcock, como visto em Intriga internacional, O homem que sabia demais, Os 39 degraus, Ladrão de casaca, Frenesi e em Disque M para matar – nesse caso, a “mulher errada”. Hitchcock acreditava que o público se identificava mais com um inocente injustamente acusado do que com um criminoso fugindo. Essa fixação pode estar ligada a um dos poucos episódios de sua vida pessoal que compartilhou com seu público: quando tinha cinco anos, havia se comportado mal e seu pai o enviou à delegacia com um bilhete; o policial leu o bilhete e o trancou na cadeia por alguns minutos, dizendo: “É isso que fazemos com meninos travessos”.
Embora fosse reservado sobre sua vida pessoal, considerar que sua direção rígida, mise-en-scène calculada e narrativa meticulosamente construída são reflexo de um artista que preza pelo objetivo será um erro. O controle de Hitchcock, na verdade, revela sua visão de mundo. Assim, podemos repensar os cameos do diretor como mais do que meras aparições divertidas; eles reforçam sua presença subjetiva nos filmes. Seus filmes são sua assinatura: inconfundíveis, inimitáveis e uma verdadeira janela para o autor.
A entrada é gratuita e os ingressos serão distribuídos uma hora antes das sessões. Para as sessões na área externa, não há distribuição de ingressos. Em caso de chuva, as sessões ao ar livre são transferidas para a sala de cinema.

CINEMATECA BRASILEIRA
Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana
Horário de funcionamento
Espaços públicos: de segunda a segunda, das 08 às 18h
Salas de cinema: conforme a grade de programação.
Biblioteca: de segunda a sexta, das 10h às 17h, exceto feriados
Sala Grande Otelo (210 lugares + 04 assentos para cadeirantes)
Sala Oscarito (104 lugares)
Retirada de ingresso 1h antes do início da sessão
Mais informações: Cinemateca Brasileira