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Ôrra meu, agora falta você

A importância e o legado de Rita Lee, uma das maiores, senão a maior cantora brasileira, de todos os tempos, por um ponto-de-vista pessoal

Foto: Ale Frata/Live Images

Hoje resolvi escrever um texto pessoal, um relato, um desabafo ou talvez apenas uma forma de registrar em palavras, o que a vida já deixou registrado. Não sou jornalista por profissão. Sou fotógrafo, publicitário, formado em comunicação social, então, por favor dê um desconto ao meu texto. Dizer que a Rita Lee é a maior cantora brasileira de todos os tempos, jamais seria desmerecer outras gigantes, como Cássia Eller, Elis Regina entre tantas, mas toda escolha é uma renúncia, e há tempos elegi a Rita a maior de todas. As outras, obviamente, são tão gigantes quanto ela.

Rita Lee, Vale do Anhangabau (25/01/2013). Foto: Ale Frata/Live Images

Desde os tempos que arranhava (ou socava) a batera no 1853, minha banda de hard rock cantado em português, jamais deixamos de citar Rita Lee como referência de som, afinal, quem nasceu nos anos 1970, como todos integrantes da banda, se são roqueiros, fatalmente cresceram ouvindo e admirando Rita Lee, a maior roqueira brasileira, que diferentemente do que ela cantava em uma das suas letras mais icônicas, Ôrra meu, nunca teve cara de bandida. Tinha cara de sapeca, levada, maluquinha, às vezes, muito louca, mas jamais cara de bandida. Já deu saudade só de pensar naquela pessoa doce, que foi a Rita que eu finalmente conheci, em 2016, quando fiz a primeira cobertura de uma sessão de autógrafos da Rita, como escritora.

Quem viu a Vovó Ritinha, como ela adorava ser chamada na última década, após deixar os palcos, nem conseguia imaginar como Rita era maluca nos anos 1960, talvez, nem eu.

Nascido em abril de 1970, quando eu tinha lá meus 11 ou 12 anos, de alguma forma escutei o trabalho da Rita, tocando em alguma novela, em rádios da época, na casa de algum parente, confesso que não sei ao certo, só sei que eu escutei, me apaixonei, comprei vários bolachões (o vinil da época), e ela cumpriu o prometido. Ela fez um monte de gente feliz, inclusive eu. Não sai da minha cabeça aquele show histórico, no Ginásio do Ibirapuera, em novembro de 1982, quando Sócrates, Casagrande e Wladimir cantaram a música Vote em Mim com a Rita, momento em que a Democracia Corinthiana estava em pauta. O show passou na TV, e eu com 12 anos, lembro como se fosse ontem. Posteriormente, os jogadores contaram como foi que eles vestiram o manto alvinegro na Rita. Um fã estava vestido com a camisa do Corinthians na plateia, e o Casão foi lá e pediu a camisa para colocar na Rita, que não pensou duas vezes em arrancar seu figurino e viver aquele momento como se fosse ensaiado, mas na real, foi puro improviso. Se alguém souber quem é esse cara, seria legal entrevistá-lo, enxergar pelo ponto-de-vista dele, que no final, proporcionou uma das cenas mais históricas do rock brazuca. Vale assistir.

O tempo foi passando, e o roquenrou foi virando life style na minha vida (desculpe a redundância), e hoje, percebo que essa foi uma das grandes influências da Rita para mim, além da música, é claro. Sempre que ela aparecia na TV, em alguma entrevista, ela era única, rock star por natureza, facilmente equiparada a caras como David Bowie, Steven Tyler, Ozzy entre tantos outros que servem de referência. Quem não se lembra dos óculos com a palavra ROCK ou seus figurinos, genialmente criados por Chico Spinosa, a quem tive o prazer de conhecer e fotografar na expo do MIS?

Rita Lee, Vale do Anhangabau (25/01/2013). Foto: Ale Frata/Live Images

A BANDA

Ainda nos anos 1990, montei minha banda e comecei a frequentar bares de roquenrou, e no Cartoon Bar’n’Roll conheci Beto Lee, a quem chamava carinhosamente de Betinho, como era conhecido pelos amigos em comum, e nos tornamos amigos, fazendo baladas, trocando ideias, figurinhas e até chegamos a pintar, literalmente, o Cartoon, a convite do Maurício Pupo, dono do bar, numa madrugada de domingo para segunda, afinal, lá era a continuação das nossas casas. Posteriormente, dividimos um show no Black Jack, outro tradicional bar roqueiro, em Santo Amaro, onde tocavam diversas bandas, e numa certa noite rolou 1853 e Larika, banda do Beto e do Edu Salviti, outro grande amigo que fiz nessas baladas, e que depois foi o batera da Rita, substituindo o Paulo Zinner, do Golpe de Estado. Foi uma noite bem legal.

Eu não gostava muito de falar com o Beto sobre a Rita, porque sempre imaginei que seria muito chato para ele, todas as pessoas perguntando coisas de sua mãe, a maior roqueira brasileira, e nossa relação era de balada, mesmo, mas em uma ocasião, no ano de 1997, a pedido do baterista Duda Neves, pedi um favor a ele. O Duda produzia umas coletâneas anuais, com bandas iniciantes, batizadas de Rock Paulista, e na edição #3, o 1853 participou com a faixa Pra Lá de Bagdad, que pode ser encontrada nos streamings. Comentei com o Duda que conhecia o Beto e ele sugeriu uma resenha da Rita no nosso disco, e ela aconteceu. Entreguei um carta de próprio punho do Duda, endereçada à Rita, com uma master em K7. Uns 40 dias depois, ou talvez um pouco mais, o Beto me entrega uma carta endereçada ao Duda Neves, lacrada, com remetente da Rita Lee. Na época, não existia celular, ou se existia, não era pro meu bico. Eu trabalhava na HI-FI do Shopping Morumbi e o Duda morava lá perto, antes do trabalho, passei na casa dele e entreguei a carta, que continha diversos elogios ao Duda, inclusive, dizendo que gostaria de ter umas aulas com ele, e junto veio uma mini resenha que saiu na contracapa do Rock Paulista III. “Venham a mim as criancinhas… Nada como um sanguinho novo para energizar velhos vampiros, não é mesmo? Rock Paulista III é um presente para quem duvida que não há nada de novo rolando nos porões, garagens e estúdios de roquenrou made in SAMPA. Os cães ladram e a rapeize morde suas guitarras, quero mais! Beijos e Bençãos” Rita Lee.

A FOTOGRAFIA

Depois da fase batera, chegou a fase fotógrafo. Longe das lojas de discos, e do 1853 que chegou ao fim em 2008, em 2009, resolvi me dedicar integralmente à fotografia, fui estudar, e logo me apaixonei pela fotografia de shows, afinal quem é dos palcos, tanto faz se esta em cima, do lado, na frente ou nos fundos, o importante é estar perto. E quando se fotografa shows profissionalmente, não dá pra escolher só fotografar bandas e artistas que gosta, a menos que isso seja um hobbie de luxo, mas é possível e necessário colocar objetivos e ir em busca deles. Na fotografia de shows, o meu sempre foi fazer um trabalho documental, registrando o máximo da música ao vivo e de espetáculos que conseguir, mas sem deixar de focar nos meus ídolos, e obviamente que eu precisava fotografar o show da Rita Lee, o que se concretizou apenas uma única vez, apesar de ter assistido outros shows dela.

Próximo ao aniversário de São Paulo, comemorando 459 anos, o Beto que tocava com a Rita naquela ocasião me avisou que ela ia parar com o palco, e que se eu quisesse fotografá-la, para não deixar passar a oportunidade, e não deixei. Em 25 de janeiro de 2013 realizei meu sonho, e fui para o Anhangabaú fotografá-la. Ainda no começo da profissão, sem muita experiência, acabei fotografando o show inteiro, praticamente do mesmo local, debruçado no palco gigante, sem me mexer muito, afinal nesses eventos públicos (e atualmente em alguns privado, também), o pit de fotógrafos mais parece uma micareta, lotado de fãs e amigos, e dentre as fotos, muitas não ficaram boas, mas consegui registrar uma das que mais gosto em em meu portfólio. Rita com as mãos, como se estivesse rezando, o que fez ela parecer uma santa, foto que foi carinhosamente batizada de Santa Rita de Sampa.

Santa Rita de Sampa. Foto: Ale Frata/Live Images

Com o abandono dos palcos, apareceu de vez a Rita escritora, e lógico que eu não poderia deixar de acompanhar essa nova fase, e fiz questão de me credenciar para cobrir todas sessões de autógrafos de seus lançamentos. A Autobiografia (2016), Dropz (2017), FavoRita (2018) e Amiga Ursa (2019). Nessas coberturas, tive o prazer de conhecer o Guilherme Samora, jornalista, biógrafo, fotógrafo e Ghost Writer da Rita, aquele famoso fantasminha que aparece inúmeras vezes na Autobiografia, lembrando a Rita de alguns fatos em sua carreira, além de amigo pessoal dela. O Gui, sempre foi um cara muito bacana e facilitou o trabalho dos profissionais de imprensa, na ocasião do lançamento do Amiga Ursa, ele me presenteou com um exemplar do livro, e graças a isso, eu tenho o autógrafo da Rita. Não costumo tietar as pessoas que eu fotografo, por separar ao máximo o pessoal do profissional, mas no caso da Rita, a paixão era muito antiga pra eu deixar essa oportunidade passar. Nem quando estive de frente com o Ozzy numa coletiva de imprensa, outro ídolo da adolescência, pensei em fazer o que fiz com a Rita. Ela era mais do que especial.

Em setembro de 2021, João Lee e Gui Samora, junto com a Dançar Marketing, montaram uma expo no MIS-SP, sobre a Rita Lee, a Samsung Rock Exhibition Rita Lee, e eu, ainda em lockdown, por conta da pandemia, não pensei duas vezes em participar da coletiva de imprensa. Meti a máscara, álcool em gel e fui, ainda com o c* na mão, mas fui. E foi ótimo. Acabei emplacando três fotos na Folha de S. Paulo, sobre a expo, inclusive a da foto autografada por David Bowie.

Fotos publicadas no Guia da Folha, em 24/09/2021, sobre a Expo de Rita Lee no MIS-SP

O ÚLTIMO PALCO

Em 2018, quando Lulu Santos estreou a turnê Canta Lulu, no Espaço das Américas, show que algumas músicas eram da Rita. Eu estava presente, fiz as três primeiras músicas credenciado, e ao término a assessora nos chamou, e avisou que poderíamos esperar, porque a Rita faria uma participação, mas que provavelmente não seria cantando, ninguém sabia dizer ao certo, quando de repente, a vejo passando do meu lado, acompanhada do Roberto de Carvalho, Gui Samora e alguns seguranças. Ainda assim, tivemos a esperança dela cantar em dueto com o Lulu, mas ela apenas subiu ao palco e assistiu a música Caso Sério, mas não abriu a boca. Em compensação, esse dia rendeu uma foto dela dando um selinho no Lulu, mais uma para minha coleção Rita Lee.

Lulu Santos e Rita Lee na estreia da turnê Canta Lulu no Espaço das Américas, em São Paulo. Foto: Ale Frata/Live Images

VILA MARIANA

Como morador da Vila Mariana, em São Paulo, na ocasião que li a Autobiografia, ao descer a Rua Joaquim Távora, onde Rita cresceu, na casa de seus pais, e descobriu a música com o piano de sua mãe, que estava na expo, além das doideiras da vida, como ela mesma contou no livro, eu ficava imaginando como seria ali, nos anos 1950, aquela menininha maluquinha, ainda criança, brincando na mesma calçada que agora eu caminhava.

Piano do acervo de Rita Lee que ficou em exposição no MIS-SP. Foto: Ale Frata/Live Images

É muito estranho pensar que nunca mais terei um lançamento com a presença da Rita, atendendo todos os fãs com o mesmo bom humor, mesmo que eles passem de 500, e isso se converta em horas de beijos, abraços, autógrafos, gente que se acha seu melhor amigo por ter sua coleção inteira de discos, como era de costume. E uma coisa muito legal que acontecia nessas situações, é que os fotógrafos credenciados ficavam na frente da mesa onde a Rita autografava os livros e ela sempre brincava com a gente, ou falando alguma coisa, ironizando alguma situação, e o melhor, constantemente fazendo ótimas poses para nossas câmeras.

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Caras e caretas. Fotos: Ale Frata/Live Images

A família Lee reunida, no lançamento da Autobiografia em 2016. Antonio, Roberto, Rita, Beto e João.
Foto: Ale Frata/Live Images

Como nada é eterno, infelizmente a nossa Rita Lee também não, ou Vovó Ritinha, como já se apresentava no lançamento do Amiga Ursa, para uma plateia predominantemente de crianças, que tiveram o privilégio de cantar com ela, à capela, a música que se tornou um hino do rock nacional “Agora só falta você”, composição de 1975, dela e Luis Sérgio Carlini, guitarrista com quem tocou na banda Tutti-Frutti. Esse vídeo foi exibido durante a expo do MIS-SP. Mas sua obra sim, essa será eterna.

Plateia infantil, durante o lançamento do Amiga Ursa. Foto: Ale Frata/Live Images
O jornalista Guilherme Samora, amigo pessoal de Rita Lee, e um dos grandes responsáveis pelos lançamentos em livros. Foto: Ale Frata/Live Images

Como fotojornalista, optei por não cobrir o velório da Rita, porque não me sentiria tranquilo fazendo esse trabalho, acho um tanto o quanto invasivo, mesmo sabendo que a família Lee Carvalho tem o maior respeito pela imprensa, inclusive, fomos informados pela Perfexx Assessoria sobre o procedimento para a cobertura. Como fã, eu faço questão de lembrar da Rita sorrindo, fazendo piadas e comentários que só ela fazia, e isso eu tinha certeza que não iria acontecer, neste 10/05/2023. Minha lembrança é dela no palco, ironizando Fernando Haddad, recém empossado Prefeito de São Paulo, onde ela dizia que ele era tão bonitão, mas tinha que cuidar do Centro de São Paulo, que estava muito largado.

Rita Lee vai fazer falta, muita falta, mas seu trabalho é para sempre, sua música, sua composição, seus arranjos. Vamos torcer para que a Autobiografia vire filme, e torcer mais ainda para que Mel Lisboa novamente seja nossa querida Rita Lee. Segundo entrevista de João Lee, para a Revista Fórum, muitos projetos estão encaminhados para continuar a estrada da Rita, e que assim seja.

Ganhando um autógrafo da Rita, no meu exemplar do Amiga Ursa, no dia do lançamento.
Foto: Paula Korosue/GloboLivros

Querida Rita, talvez eu jamais diria isso para você ao vivo, mas onde estiver, saiba que você é foda!!!
Ôrra, meu! Vá em paz, e muito obrigado por tudo.

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